Violência contra Mulher debatida em envento do GGBS é destaque na Mídia

event_noteAtualizado em: 08/03/2017



Texto publicado no jornal Correio Popular - 08 de março de 2017 

A cada hora e meia uma mulher é assassinada no Brasil. O número de feminicídios (homicídios de mulheres) no Estado de São Paulo em janeiro deste ano foi 120% maior que o registrado no mesmo mês de 2013. Os registros de estupro no mesmo mês também saltaram 96%, passando de 26 casos em 2013 para 51 este ano, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP). Enquanto os índices de violência contra a mulher crescem ano a ano, especialistas que trabalham no atendimento às vítimas defendem penas mais duras para esses crimes; melhorias no atendimento policial, o funcionamento das Delegacias de Defesa da Mulher 24 horas, ampliação da rede de atendimento e o desenvolvimento de campanhas educativas que possam neutralizar os efeitos do machismo.

O historiador Leandro Karnal, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, por exemplo, afirmou que a mudança passa pela educação na escola e na família, mas também pela coerção. "Precisamos de leis cada vez mais duras para questões como estupro, assédio e, acima de tudo, o amparo a uma questão de saúde gravíssima, que é o aborto."

Diferentemente dos outros tipos de crime, para prevenir a violência contra a mulher é preciso vencer centenas de anos de cultura machista na sociedade, segundo a delegada Teresinha de Carvalho. "A violência contra mulher é uma herança maldita. Passamos do período neolítico para antiguidade, onde mulheres eram respeitadas, à Idade Média, quando colocaram a mulher em uma condição de ser inferior", disse ela, que foi a primeira delegada titular da Delegacia da Mulher em Campinas, e há 30 anos atua no enfrentamento e combate à violência doméstica. Elza Fratini Montali, coordenadora da Coordenadoria da Mulher de Campinas, afirma que vivemos numa cultura machista, do patriarcado. "Isso já está incutido na sociedade, é uma questão de educação, de respeito, de reconhecimento da mulher. Precisamos também trabalhar a solução de conflitos que não seja pela violência."

Apesar de Campinas contar com duas unidades da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), o atendimento à mulher vítima da violência ainda precisa melhorar na cidade. Especialistas são unânimes ao afirmar que é preciso ter uma unidade 24 horas. "A maioria dos crimes cometidos contra a mulher acontece durante o período da noite e aos finais de semana", afirmou Elza. Em 2016 a 1ª DDM registrou 3.525 boletins de ocorrência. Outros 4.899 BOs registrados nos plantões policiais foram encaminhados à especializada porque têm a mulher como vítima.

Teresinha defende que uma delegacia 24 horas traria uma segurança à medida que os agressores soubessem do funcionamento ininterrupto de uma unidade especializada. Ela fala da importância da Lei Maria da Penha no combate à violência doméstica, mas diz que é preciso avançar no sentido das suas propostas, envolvendo outros órgãos. Em Campinas, ela cita a ampliação de serviços como o Ceamo (Centro de Referência de Apoio à Mulher), que em sua visão ainda tem uma estrutura muito pequena diante do que pode fazer, ampliação do programa Guarda Amigo, de campanhas contra a violência, ampliação do debate de gênero nas escolas e do papel da mulher na sociedade. Outra medida defendida é a reabilitação dos agressores. Segundo ela, a reincidência de agressores cai em até 70% onde há centro de reabilitação.

Educação
Após palestra no Grupo Gestor de Benefícios Sociais (GGBS), ontem, durante evento de comemoração ao Dia Internacional da Mulher, celebrado hoje, o historiador Karnal afirmou que muita coisa já avançou no País, mas ainda há uma educação misógina. "Os meninos são educados para o preconceito. As meninas são educadas para aceitar um papel, um papel específico", afirmou.

Para o historiador, o aborto tem que ser debatido e trazido à tona, pois, da maneira como acontece hoje, "é um assassinato de mulheres de baixa renda", pois não têm acesso a condições mínimas, diferentemente das de alta renda. "A legalização podemos discutir em um milhão de seminários, mas temos que fechar esses açougues clandestinos, que são os abortos das mulheres de baixa renda, porque as ricas têm acesso a clínicas muito boas. Porque o aborto é ilegal para as duas, mas só mata uma."

Karnal também comentou sobre dupla jornada e a igualdade de idade para aposentadoria. "Apesar da dupla jornada ser uma realidade, muita gente ainda está querendo igualar a aposentadoria. É errado do ponto de vista que as funções são diferentes, de que os gêneros são diferentes. E se você faz uma coisa dessa devia incluir, por exemplo, o trabalho doméstico ou o trabalho de maternidade no tempo de serviço. Quando nós consideramos que o trabalho de cuidar das crianças é um trabalho e que o trabalho de manter uma casa é um trabalho, nós daremos um passo para isso."

Segurança
Em nota, a Secretaria de Estado da Segurança Pública informou que o Estado é pioneiro no aprimoramento de políticas de combate à violência contra a mulher. A população conta, atualmente, com 133 Delegacias de Defesa da Mulher. Citou ainda a parceria da Polícia Civil com entidades especializadas no atendimento às vítimas, como a Ceamo, Abrigo da Mulher Sara M, e as universidades Anhanguera e Unisal.

A 1ª DDM de Campinas instaurou 2.701 inquéritos em 2016 e 106 em janeiro deste ano. No período, foram efetuadas 183 prisões pela unidade, sejam em flagrante ou por mandado. Já a 2ª DDM abriu 1.069 inquéritos e efetuou 32 prisões desde novembro, quando foi inaugurada.

A SSP informou ainda que estabeleceu um protocolo único de atendimento a mulheres vítimas de violência em todas as delegacias do Estado. "É importante lembrar que todas as delegacias paulistas são capacitadas para receber e podem registrar casos de violência contra a mulher", diz a nota.

Agredida é levada a abrigo para escapar da morte
Fernanda (nome fictício) passou por sessões de espancamento e só não morreu pelas mãos do agressor porque aproveitou um descuido dele para fugir no meio da madrugada. O primeiro lugar onde procurou ajuda foi no hospital Mário Gatti, em Campinas. Recebeu dezenas de pontos nas pernas e nos braços, após ser esfaqueada pelo marido. O rosto estava tomado pelas marcas de mordidas e também foi preciso receber ponto na fenda aberta em seu lábio. Passou horas em cárcere e foi estuprada.

Depois de dias de tortura, conseguiu escapar do agressor. Fernanda veio de outro Estado e não tinha a quem recorrer. Ao sair do hospital, ia voltar para sua casa, onde possivelmente encontraria novamente o marido. Só não sabia se sairia da casa viva. Uma equipe da Guarda Municipal foi acionada para levá-la. Ao identificar a situação de violência, os agentes orientaram a vítima a procurar a delegacia. Fernanda foi à DDM, onde registrou ocorrência, passou por exame de corpo de delito. Saiu de lá para um abrigo e com medida protetiva. O sofrimento era visível no rosto e nas expressões de uma mulher que mal conseguia andar após ser violentamente espancada.

As feridas foram no corpo mas também na alma. O caso de Fernanda é um entre os milhares de casos de violência contra a mulher. Também em Campinas, no início do ano, uma chacina teve repercussão internacional após 12 pessoas de uma mesma família serem mortas numa festa de réveillon, sendo dez vítimas mulheres. O autor expôs o ódio às mulheres em uma carta, às quais chamou de "vadias".

Ceamo dá orientação psicológica e jurídica
Todos os meses, cerca de 130 mulheres são atendidas no Centro de Referência de Apoio à Mulher (Ceamo) em busca de orientação psicológica ou jurídica. O centro é apenas uma das unidades que atendem vítimas de violência doméstica em Campinas. A assistente social Elza Fratini Montali, coordenadora da Coordenadoria da Mulher, explica que o município montou uma estrutura complexa que dá conta de atender à demanda. "Temos duas delegacias; uma equipe especializada da Guarda Municipal, com o Programa Guarda Amigo Mulher - atende e acompanha mulheres que tem medidas protetivas-; o Ceamo; um abrigo; o Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) e o Cravi (Centro de Referência e Apoio à Vítima)."

Além de atender a mulher logo após o caso de violência, a equipe acompanha todo o processo que, muitas vezes, resulta em mudança de trabalho e de cidade. Há até um auxílio-moradia para as mulheres que ainda não alcançaram a independência financeira. "Nossa função é dar o apoio necessário para que ela consiga romper o ciclo de violência", afirma. Além de orientação jurídica e atendimento psicológico, as mulheres participam de oficinas informativas, profissionalizantes e de terapia ocupacional.

Nos casos mais graves, em que há risco de morte, a mulher e filhos podem ficar durante três meses em um abrigo que fica em um local sigiloso. Neste período, profissionais da rede dão todo suporte para que a mulher possa encontrar uma nova casa e um novo emprego. O Creas acompanha toda a família onde há violação de direitos, incluindo o companheiro e agressor. Outra unidade da rede é o Cravi, voltado ao atendimento às mulheres vítimas de violência urbana. Um importante aliado da administração nesse processo é a ONG SOS Ação Mulher, que presta um atendimento parecido com o Ceamo. Integram a rede o Conselho Tutelar, Caism e a Defensoria Pública. 

 

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